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Karla Maria: “Arrumamos a vacina para o vírus, mas qual é a vacina para a pobreza?” 

Em entrevista para a Guarulhos Cultural,  jornalista fala de seu novo livro, Invisíveis, que retrata realidade de pessoas em situação de rua durante a pandemia

Enquanto a pandemia da Covid-19 assolava o país e o mundo, Karla Maria percorria ruas e avenidas de Guarulhos e São Paulo, debruçada sobre as histórias da caótica realidade de pessoas em situação de rua. Muitas encontraram debaixo de marquises e viadutos habitação improvisada e indigna, opção e destino daqueles que se viram desempregados e, consequentemente, despejados. Essa é parte da narrativa de Invisíveis – quando a rua é morada, o vírus é só mais uma ameaça, novo livro da jornalista Karla Maria que remonta ao passado recente, período que escancarou de inúmeras formas o modo como a doença se espalhou, revelando a desigualdade.

Com lançamento previsto para o dia 25 de agosto, na Biblioteca Monteiro Lobato, em Guarulhos, o livro publicado pela editora Patuá apresenta reportagens com pessoas que Karla encontrou nas ruas, fala de suas histórias e da completa falta de perspectiva e esperança.

Em entrevista para a Guarulhos Cultural, Karla Maria falou dos desafios impostos à elaboração das reportagens, das personagens e histórias que ouviu, do medo e esperança que atravessaram seu caminho a cada saída às ruas. Para além de pessoas citadas e que estão relacionadas diretamente ao trabalho de pesquisa e levantamento de informações realizado pela jornalista, dentre os quais especialistas de institutos, Karla Maria entrevistou cerca de 54 pessoas em diferentes níveis de vulnerabilidade social ou situação de rua, em março de 2020, quando o país registrou a primeira morte pela Covid-19.

“A pandemia evidenciou, colocou uma lupa, esgarçou a situação de vulnerabilidade e pobreza que as pessoas em situação de rua já estavam vivendo. Muito mais que falar do vírus em si, o livro fala de problemas estruturais, que levaram as pessoas a estarem nessa condição, sofrendo ainda mais”. 

Em meio às estratégias adotadas pela jornalista para a elaboração desse trabalho, ela aponta aspectos como segurança pessoal e do entrevistado para evitar o contágio, além do uso de álcool gel e máscaras, como formas comuns de proteção. 

“Procurei garantir que tanto eu quanto o entrevistado estávamos seguros; naquele momento, nós não tínhamos ainda uma vacina, não tínhamos um norte ou horizonte do que era possível ou não fazer. Quando fui para as ruas, estava preocupada como aquelas pessoas iriam sobreviver se naquele momento era necessário usar o álcool gel a todo mundo, higienizar as mãos e os produtos. Então, eu saí para a rua com medo, mas a apuração foi além das perguntas, contou também com a observação e sensibilidade.

Arrumamos a vacina para o vírus, mas qual é a vacina para a pobreza, para a desigualdade social?”, questiona. 

Karla conta ainda que, partindo dessa realidade, muitas perguntas sequer foram feitas, já que escutar e ouvir com sensibilidade para não expor ou humilhar as pessoas, mostrar-lhes que se tratava de um trabalho sério, de denúncia de como parte da população brasileira passava por aqueles momentos difíceis – e continuam passando – era o mais importante. 

É essencial dizer que Karla Maria foi para as ruas cobrir a realidade das pessoas em situação de rua para um jornal chamado O Trincheiro, da entidade Rede Rua, que trabalha com a população em situação de rua. 

“À medida que eu acompanhava o dia a dia dessas pessoas, e também as ações de solidariedade que diversas entidades da sociedade civil empregavam naquele momento, eu fazia as entrevistas e fotos, voltava para casa, decupava todo o material, e escrevia as reportagens que eram publicadas semanalmente. Nesse período, fui acumulando reportagens, fotos e testemunhos. Então, decidi inscrever essa série de reportagens em um prêmio chamado Dom Helder Câmara, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e essa série foi premiada, recebi o prêmio em 2021, e percebi que esse material poderia despertar a atenção das pessoas sobre essa dura realidade. Então, revisitei aquelas histórias, construí uma sequência lógica para contá-las e busquei detalhes da minha percepção e apuração, o ponto de vista de uma mulher, cidadã assustada, em meio a uma pandemia, e diante de um governo autoritário e negacionista”, explica Karla. 

Registro criterioso do que foi e como é a vida da população de rua, Invisíveis foi finalizado em 2021. Diante de vários “nãos” e de grande sufoco para conseguir uma editora que abraçasse a história para publicá-la, Karla reafirma a premissa que a move enquanto repórter: o compromisso com a realidade que nos cerca. 

Para além da desigualdade latente, agravada pela pandemia, Karla Maria fez diversas considerações sobre esse trabalho.

“Quem menos tem é quem mais oferece. Eu destaco o trabalho do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais) que organizaram cozinhas solidárias em São Paulo, brigadas alimentares que traziam alimentos de produtores do campo ou da região metropolitana e entregavam alimentos diariamente para a população de rua. A segunda conclusão é de que a sociedade, quando organizada, consegue soluções incríveis; se alcançamos a vacina, porque não alcançamos a solução para a desigualdade social? Não há motivação política para tal, para rever questões estruturais e acabar de vez com a desigualdade social”, desabafa a jornalista. 

Se por um lado as pessoas têm se dedicado a voltar à vida normal, retomar as atividades e superar as perdas, nas ruas  as condições pioram a cada momento. Nesse contexto, Invisíveis consegue apontar para o horizonte de políticas públicas voltadas à minimização desses problemas. 

“As pessoas que são invisíveis para a sociedade de modo geral, quando elas conseguem por meio de uma resiliência muito grande se organizar e se articular para exigir políticas públicas, isso ganha uma força surreal, e foi o que aconteceu durante a pandemia. Acompanhei processos de organização, debates políticos para a eleição de prefeitos e vereadores, vi pessoas que vivem em albergues conscientes de que era preciso sensibilizar as autoridades políticas e eleger representatividade. Há possibilidades de políticas públicas para desenvolver uma sociedade mais humana e sensível. O nosso trabalho como jornalista é levar essas histórias e humanizá-las, não permitir que a criminalização dessas pessoas seja feita de modo banal. Acredito que a organização dos invisibilizados tem muitos frutos e a prova disso é a própria participação dessas pessoas em processos eleitorais”.

Para interessados em adquirir Invisíveis antes da data do lançamento, a obra sai por R$50, no site da Patuá. Para mais informações, acesse  https://www.editorapatua.com.br/invisiveis—quando-a-rua-e-morada-o-virus-e-so-mais-uma-ameaca-de-karla-maria/

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