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Lídia Lídia Lídia demonstra a pluralidade de sua arte em primeiro trabalho solo

Em entrevista para a Guarulhos Cultural, ela mostra a face de uma artista múltipla, fala de sua relação com a fé e espiritualidade, a relação com a música e sua companheira, dos filhos felinos e das músicas que compôs para Terra Mulher, seu primeiro trabalho solo.

Ela é uma artista da música, está lançando um trabalho musical, e costuma se enfiar, sem nenhum trocadilho, nas mais variadas linguagens artísticas possíveis. Lídia Martiniano, mais conhecida como Lídia Lídia Lídia, não exagera na repetição do prenome para demonstrar a pluralidade de sua arte. Prestes a espalhar suas canções autorais pelas plataformas digitais e pelos palcos da vida, ela vive autêntica alegria e saborosa ansiedade nesse momento de pré-lançamento do single Terra Mulher, seu primeiro trabalho solo.

No próximo dia 16 de agosto, o EP com três músicas chega às plataformas digitais e cria grande expectativa para o show de lançamento que acontece no icônico Teatro Padre Bento, no Jardim Tranquilidade, dia 17, às 20h.

Em um bate-papo com a Guarulhos Cultural, Lídia Lídia Lídia mostra a face de uma artista múltipla, fala de sua relação com a fé e espiritualidade, de sua relação com a música e sua companheira Mayhara, dos filhos felinos e das músicas que compôs para Terra Mulher.

Filha de pais professores, Lídia sempre recebeu incentivo para fazer arte e estudar música. No início dos anos 2000, aos 7 anos, ela já estudava teclado na Escola Projeto Sonoro, no Jardim Presidente Dutra. Logo ela passou do teclado ao violão e até hoje acredita que esse é o seu instrumento. Sempre gostou da ideia de trabalhar em grupo, tocou com a banda Quintal em Versos e com outros grupos da escola de música. Por incentivo de seu pai, fundou em 2014 As Despejadas junto com Nataly Ferreira e a Vitória Silva, e teve a oportunidade de confirmar que realmente queria ser artista. Sua mãe insistia para que ela fizesse faculdade de música, mas Lídia não queria ficar numa coisa só, então fez som, teatro, encontrou outras maneiras de usar o som, um estudo fundamental para exercitar a criatividade, fez alguns trabalhos como sonoplasta e técnica de som, artes visuais e licenciatura em Artes Visuais. Atualmente trabalha como arte-educadora em Tecnologia e Artes no Sesc Guarulhos.

Guarulhos Cultural: Quem é a Lídia?

Lídia: Depende de qual personalidade está no controle (risos). Sou educadora, artista, uma pessoa que gosta de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Isso é uma bênção e uma maldição, mas eu adoro fazer muitas coisas, aprender e ensinar, trocar com as pessoas, trabalhar com muitas linguagens e brincar. Como educadora, gosto desses movimentos. Tenho 27 anos, sou taurina, sou nascida e criada em Guarulhos, morei muito tempo ali no Jardim Presidente Dutra, vivi minha adolescência ali no Pimentas, onde eu estudava. Hoje moro no Cecap, cercada de plantas, mas quem cuida delas é minha companheira Mayhara, é até engraçado, porque eu sempre tive muito medo de mato, é meio que a minha tentativa de trazer esses elementos da natureza, esse outro estado de espírito para minha rotina. Então, quem cuida das plantas aqui em casa é a Mayhara, é ela quem tem um olhar mais atento, aprendo muito com ela enquanto mexemos nas plantas juntas. Eu vivo com nossos três gatinhos, a Jussara, a mais nova, porém a dona da casa, o Cleberson, que é o filho do meio, o mais assustadinho, e o Sebastião, que é o filho primogênito, mais velho, o primeiro que nos adotou, o mais malandrão, o mais marrento e carinhoso.

GC: Como você concebeu esse novo trabalho?

L: Eu costumo dizer que a minha visão é sempre de uma mulher mestiça e latina. Gosto de falar disso, porque eu também posso falar sobre isso, por eu também ter essa ancestralidade, eu também sei a responsabilidade de falar sobre determinados assuntos, ter a responsabilidade de não apagar minha ancestralidade preta, indígena. Uma das violências que a gente mais sofre é não saber de onde vem, por isso, nessa busca de estudos e de me aprofundar nessa temática ancestral e mestiça acabo encontrando literaturas que me inspiram. Menina Rio, por exemplo, é uma música que surgiu quando eu estava lendo o Ailton Krenak, justamente nesse processo de decolonizar e contracolonizar a mente. O que eu acho mais da hora do Ailton Krenak, dos povos indígenas em geral, é essa semelhança, essa proximidade e unidade com a natureza.

GC: Quais ideias ou ideais permeiam as letras de Terra Mulher?

L: A vivência dessa espiritualidade mais voltada para o olhar do preto, do indígena e desse produto misturado é o que foi moldando minhas visões, é o que sempre me inspira a criar coisas. Eu me lembro exatamente do momento em que descobri que era artista quando fui tocar em um evento da igreja. Aos 15 anos, quando participava da Pastoral da Juventude, havia um festival que se chamava Fest Jovem, inclusive já encontrei muitos outros artistas de Guarulhos que também participaram do Fest Jovem, o Juan De Las, o Edson Telles, enfim, tem uma galera que já passou por esse festival. E eu lembro muito desse momento, de estar tocando em cima de um palco, vi que eu gostava disso, não só de fazer arte, mas de ter essa troca de energia. É muito diferente. Então, foi um divisor de águas, eu gostava de música, mas gostava de construir coisas, de produzir.

GC: Você falou de sua participação na Pastoral da Juventude, fale um pouco mais sobre sua relação com a espiritualidade:

L: A fé sempre me guiou, principalmente na forma como eu lidei e lido com a arte. Eu vim, primeiramente, da Igreja Católica, minha família é bem brasileira mesmo, então, quando eu era criança, frequentava o terreiro de candomblé, depois fui fazer catequese, crisma, me engajei na Pastoral da Juventude, fui coordenadora, catequista, fui da liturgia, vivi minha adolescência inteira, dos 12 aos 19 anos,  dentro da Igreja. Lá eu conheci as meninas d’A Despejadas, estudamos na mesma escola também. Seguíamos a teologia da libertação, a escola de Paulo Freire e Frei Beto, Dom Pedro Casaldáliga, uma linha latino-americana que discute os problemas sociais da cidade. Meu olhar sempre se voltou para as questões do feminismo, da desigualdade social e do racismo. Me afastei aos 19 anos, a estrutura hegemônica da igreja não permite que você cresça ou faça questionamentos e fica impossível aceitar certas situações. Comecei a frequentar as giras de candomblé e umbanda ao mesmo tempo em que ia à missa, entre os orixás e Jesus Cristo nunca julguei que um podia ser melhor que o outro.

GC: Como essa relação com a espiritualidade impactou esse novo trabalho?

L: Aos 26 anos, fui convidada para participar do terreiro Tenda das Flechas. Eu já vinha me conectando mais com o Orixá por meio da Umbanda, já fazia alguns meses que eu estava frequentando esse terreiro, indo às giras abertas, e a prática de estar perto, ela já me dava sinais de criatividade, eu também estava exercitando essa fé. Eu sempre coloco essa questão da espiritualidade e da ancestralidade porque são coisas que eu vou estudando, vou exercitando e me trazem criatividade. Minha criatividade sempre está atrelada a isso, se estou imersa em um monte de burocracia e só vivendo a vida e não estou olhando para mim, para meu corpo, mente e espírito, se eu não estou tendo nenhum tipo de conexão entre essas três coisas, eu fico travada, assim, não consigo.

GC: Como a música permeia sua rotina?

L: A música é muito presente na minha rotina, ela é algo muito potente, traz um outro estado de espírito, um ritmo mais suave para o meu dia. É a música quem dá o tom das coisas. Nesses dias muito nublados e eu botava uns pontos de caboclo para ver se dava uma animada. Eu botava uma MPB mais doidinha, tipo um Kiko Dinucci, uma Tulipa Ruiz, para ver se dava um ritmo a mais, um Gilberto Gil. Então é isso, ela dá uma abraçadinha e fala: ‘vai minha filha, vai que tu corre’. Ela limpa um pouco a minha cabeça ansiosa e agitada para que eu possa focar em outras coisas. E me inspira, não tem jeito, vai me inspirando assim no decorrer. Às vezes eu estou com alguma dificuldade de criar algo no trabalho e aí eu consigo criar a partir da música, provocada por uma música. Isso é bem presente, gosto de trabalhar com várias coisas, mas sou muito materialista também, gosto de materializar as ideias que eu escuto na música.

GC: O quanto da Lídia poderemos encontrar neste novo trabalho?

L: Sempre fui uma criança e adolescente muito quieta, que travava minhas brigas com muita dificuldade. Acho que esse trabalho é uma apresentação de um processo que estou vivendo agora.  Eu tinha medo de colocar no mundo ou ainda não tinha encontrado isso dentro de mim, e ao conseguir sinto que é como um carnaval sem fim. Eu me entendo como bissexual há muito muito tempo, mas quando eu encontrei a Mayhara percebi que tinha muitas outras coisas para sair dentro de mim, junto com essa paixão por ela. Fiquei meio doida das ideias, e então, entendendo que eu poderia ser muito mais em relação ao afeto e sexualidade, eu também poderia ser muito mais em outros momentos, me encontrar e deixar as coisas serem externalizadas com mais facilidade.

Após o lançamento de Terra Mulher, o que vem por aí?

A gente ainda vai cumprir a etapa da contrapartida com oficinas em escolas públicas. Nesse momento, estamos juntando os materiais, as fotos, fazendo os arranjos das músicas. É o primeiro show, o primeiro projeto real oficial, o início da construção de algo que provavelmente terá uma pós-produção, material de divulgação, um mini-doc, registros do show, é um projeto que foi amarrado para que tenha um material para circular.

Fotos: Camila Rhodes

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