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Opinião

A pandemia e os hábitos culturais

Por Vitor Souza

O impacto da pandemia do Coronavírus foi devastador para toda a cadeia cultural, em especial, para os profissionais que trabalham nos bastidores das artes. Políticas públicas emergenciais como a Lei Aldir Blanc foram fundamentais para a sobrevivência dos profissionais, dos espaços e dos diversos trabalhadores que compõem essa rede. Mas o verdadeiro efeito da pandemia nos hábitos culturais de nossa sociedade ainda necessita de um olhar mais dedicado.

Primeiramente, o cenário cultural nacional já vinha em uma situação adversa. As políticas públicas do passado não tiveram continuidade por fatores diversos, sejam por mudanças políticas ou mesmo falhas estruturais que os tornaram pouco sustentáveis. As alterações de mecanismos de transparência, em tempo, sempre necessárias para o uso do recurso público, geraram entraves para artistas e produtores que desenvolviam a duras penas suas propostas.

Simultaneamente, uma mudança social e tecnológica estava em andamento, com a entrada de novos mecanismos de entretenimento através das redes sociais e os serviços de streaming. Se por um lado essas redes deram voz a quem não tinha, a cada dia ficava mais difícil ler (ou ouvir) o que estava acontecendo em meio a tantos ruídos confusos, permeados por notícias falsas, alarmismos e uma enxurrada de publicidades.

O distanciamento do artista com o público

Esses dois fatores foram impactados com a pandemia. Por um lado, o país garantiu através de suas esferas públicas o maior financiamento público direto do setor. Muito difícil acreditar em um cenário breve um novo aporte financeiro com a mesma dimensão. Nos últimos seis meses é possível para quem queira, se deparar com uma enorme produção cultural pelo país – ainda que totalmente atrelada aos meios digitais.

Mas assim como ocorreu ao longo das políticas culturais de nossa história, faltou combinar com o público.

A pandemia causou mudanças nos hábitos culturais, assim como em todos os hábitos existentes muito além da máscara e do álcool em gel. E ainda que resista o negacionismo dentro de nossa sociedade, sabemos que de forma oficial ou clandestina, as pessoas vão seguir no pós-pandemia se aglomerando em festas, bares, eventos, shows entre outros.

Segundo os dados do Google Trends, o ápice do termo “Live” na ferramenta de busca ocorreu no mês de abril, caindo pouco a pouco. Nesse sentido podemos ver o fato de duas formas: sendo otimista, que as pessoas se habituaram com o termo a ponto de não ser mais necessário utilizá-lo. Ao invés da busca por “Lives de Hoje”, basta buscar o artista que você quer ver. Por outro lado, já numa visão mais realista, esta transposição do modelo presencial para o virtual, como os blocos de carnavais digitais, já não dão conta de atender a demanda do público.

O fato é que o volume de pessoas acompanhando esse conteúdo é cada vez menor. A distância entre as grandes lives e os debates locais em relação ao público são ainda maiores. Dessa forma, a internet permite o acesso a qualquer atividade em tempo real, quebrando uma barreira fundamental para o desenvolvimento artístico local que é a própria geografia.

Sobrevivência do ambiente cultural pós-pandemia

Buscando a sobrevivência cultural (e biológica em meio a uma pandemia), poucos projetos têm conseguido destaque no relacionamento com seu público. A arte é sempre um encontro entre o artista e o público. Portanto, não é possível se preparar para o cenário pós-pandemia se não notarmos como o público vai voltar aos espaços culturais quando o isolamento abrandar.

No momento que escrevo, o Brasil tem sofrido com uma média diária de 1900 mortes decorrentes da Covid-19. Todos os olhares e esforços dos especialistas e Gestores Públicos do mundo devem estar voltados para isso. Cabe a nós, fazedores de cultura, seguir os protocolos e nos preparar para o que vem pela frente.

Para a cultura, pouco importa a fase, estaremos presentes sempre, pois somos fruto da própria sociedade. Cultura é reconhecimento – e isso só é possível se estivermos também conectados com as mudanças nos hábitos culturais que a pandemia influenciará.


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Um comentário sobre “A pandemia e os hábitos culturais

  • Ótimos pontos levantados para reflexão. As artes em geral atravessam séculos, quiçá milênios dependendo do seu segmento. No nosso caso em específico, o caso da nossa família, nossa companhia em que vivemos do circo, estamos na quarta geração de nossa família que aprendeu com outras famílias de geração anteriores um modo de trabalho e espetáculo que já enfrentou outras pandemias, guerras e transportavam saberes mesmo quando o deslocamento era feito por outros meios de transportes como o carro de boi no Brasil por exemplo. De lá pra cá surgiram o rádio, a televisão e por último a internet e estamos aí resistindo, pois as artes atravessam por tudo isso. O circo itinerante de lona, o circo de rua, o teatro, a música, a pintura e tantas outras continuarão se desafiando e resistindo as novas tecnologias e pandemias, sempre se adaptando aos novos tempos.

    Parabéns pelo texto Vitor!

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