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Fogaréu de Guarulhos é reconhecido como Manifestação de Interesse Nacional

Evento em Goiás-GO realizado pela OVAT reuniu a organização das Procissões do Fogaréu de todo país.

O I Encontro das Procissões do Fogaréu do Brasil, realizado na cidade de Goiás-GO entre os dias 12 e 14 de setembro, marcou um momento histórico para as manifestações sacro-folclóricas do Brasil. Idealizado por Leonardo Barata (Caxias – MA), em parceria com a OVAT – Organização Vilaboense de Artes e Tradições, o evento reuniu 17 cidades de 7 estados diferentes, que se encontraram para aprofundar o conhecimento sobre a manifestação cultural que existe em todo o país há cerca de 280 anos, além de trocar experiências e conhecer as peculiaridades que essa manifestação tomou nos diferentes locais do país.

Em Guarulhos, a Procissão do Fogaréu acontece desde 2010, sempre comandada pelo cordelista e ativista cultural Bosco Maciel. Convidado pela organização, ele esteve presente no encontro e falou sobre a experiência em Guarulhos e, em especial, sobre a importância das festas sacro-folclóricas brasileiras para a afirmação de nossa identidade.

O evento contou ainda com uma procissão unificada, contando com cerca de 80 farricocos que andaram em ritmo acelerado pelas ruas de Goiás, com as luzes apagadas e demonstrando as diferentes indumentárias de cada uma das cidades ali representada.

A experiência da cidade de Guarulhos chamou a atenção dos realizadores do evento em Goiás, que convidaram o cordelista a participar do encontro, onde realizou a palestra: A Importância das Festas Sacro-Folclóricas Brasileiras para afirmação de nossa identidade, como parte da programação oficial do evento, que trouxe muita informação sobre o contexto da procissão do fogaréu em todo o país.

A origem e a chegada ao Brasil

Cortejo conjunto das procissões do Fogaréu na cidade de Goiás – GO. Foto: Karina Carvalho

A Procissão do Fogaréu tem origem na Espanha medieval, especialmente em localidades da região de Castela e León, onde ainda hoje se realiza como parte das celebrações da Semana Santa. O cortejo é marcado por penitentes encapuzados que desfilam à noite com tochas acesas, criando um ambiente solene e simbólico de fé e mistério. O ritual nasceu como uma dramatização da prisão de Cristo, reproduzindo o momento em que soldados romanos foram buscá-lo no Monte das Oliveiras.

O rito religioso ganhou força por sua carga estética e espiritual, tornando-se um espetáculo público que mistura teatralidade e devoção. Ao percorrer as ruas escuras, iluminadas apenas pela chama dos archotes, a procissão traduz em imagens o contraste entre trevas e luz, pecado e redenção. Esse simbolismo ajudou a perpetuar a tradição ao longo dos séculos, conectando gerações em torno da memória da Paixão de Cristo.

No Brasil, a procissão foi trazida pelos colonizadores ibéricos, espalhando-se em algumas regiões a partir do século XVIII. Embora muitas manifestações tenham se perdido ao longo do tempo, o costume permaneceu vivo em Goiás, especialmente na antiga capital do estado. Ali, a prática foi incorporada às celebrações locais da Semana Santa, adaptando-se ao cenário urbano e às características culturais brasileiras, mas sem perder seu caráter de representação religiosa.

A retomada organizada da Procissão do Fogaréu em Goiás ocorreu graças à atuação da Organização Vilaboense de Artes e Tradições (OVAT), que resgatou a tradição na segunda metade do século XX. Desde então, o evento se consolidou como um dos mais expressivos do calendário cultural e religioso do país, atraindo milhares de turistas todos os anos. Em processo de reconhecimento como patrimônio imaterial, a procissão simboliza não apenas a fé católica, mas também a resistência de uma comunidade em preservar sua identidade histórica e cultural.

De Goiás para Guarulhos

Ao centro, o cordelista Bosco Maciel participando do cortejo coletivo das Procissões do Fogareu do Brasil em Goiás – GO (Foto: Karina Carvalho)

O cordelista Bosco Maciel já desenvolvia na cidade de Guarulhos a Romaria em Louvor a Nossa Senhora de Bonsucesso desde os anos 2000. Imbuído do pensamento de que as manifestações sacro-folclóricas possuem um potencial artístico e turístico para o fomento às artes de uma cidade, tomou conhecimento da manifestação realizada na cidade de Goiás e, com apoio de artistas, da Secretaria de Cultura e da Diocese de Guarulhos, realizou a primeira edição em 2010.

O evento em Guarulhos também mantém a tradição e religiosidade características, com o traje típico dos farricocos (aqui com uma túnica e capuz em TNT, material de baixo custo feito de polipropileno), tochas acesas e as luzes públicas das ruas por onde passa a procissão apagadas. Uma fanfarra musical também acompanha a procissão, marcando o passo da caminhada e apresentações ao longo do percurso que parte da Catedral Nossa Senhora da Conceição (Igreja Matriz), localizada na Praça Tereza Cristina, no centro, e segue pelas ruas da cidade até a chegada à Igreja do Rosário.

A cada edição, a manifestação em Guarulhos foi tomando contornos artísticos, com estandartes em referência às manifestações populares. Bosco Maciel segue o trajeto com uma túnica e rosto à mostra, em referência à Antonio Conselheiro. Personagens como palhaços e floristas medievais também foram incorporadas a manifestação, trazendo uma construção mais interativa e teatralizada ao evento.

Recentemente, cuspidores de fogo também foram inseridos. Essas inovações são fruto de uma definição local onde os elementos populares buscam atrair os olhares para uma tradição que é construída para favorecer a narrativa do ato simbólico da perseguição.

Peculiaridades locais e diversidade do encontro

Imagens do 1º dia do Encontro (Foto: Vitor Souza)

Artistas, pesquisadores e fiéis se encontram no Cine Teatro São Joaquim na tarde do dia 12 de setembro para a abertura do encontro. Inicialmente, uma apresentação do FOGAREUZINHO, com crianças da escola Letras de Alfenim, deram as boas vindas e trouxeram a importância do trabalho geracional para a perpetuação das tradições. Na mesa oficial de abertura, organizadores do evento, um representante do IPHAN e figuras políticas locais, dentre as quais o prefeito de Goiás, Aderson Gouvea, e a Secretária de Cultura, Goiandira Ortiz, deram o tom do que viriam nos próximos dias.

O primeiro dia foi um aprofundamento sobre as origens da Procissão do Fogaréu na cidade de Goiás. O destaque da atuação da Organização Vilaboense de Artes e Tradições – OVAT ao longo dos anos e seu papel fundamental para a projeção nacional que a festa atingiu. A Professora Doutora Keley Cristina Carneiro foi a responsável pela primeira palestra, trazendo um recorte de sua pesquisa para mostrar como a cidade se organizou para o ressurgimento desta tradição que inspirou as demais cidades brasileiras. Destaque ainda para a segunda palestra do dia com a Professora Mestra Denize Maria de Freitas, que destacou o aspecto museológico do acervo da OVAT e a importância de Goiandira do Couto na consolidação das vestimentas tradicionais dos Farricocos.

Já no segundo dia o destaque ficou por conta da apresentação da diversidade na manifestação do Fogaréu, iniciando-se pela palestra de Bosco Maciel já citada. O Mestre Guarulhense apresentou as inovações da proposta da cidade que vem de sua pesquisa popular em diálogo com o aspecto religioso, trazendo as referências nordestinas em um diálogo constante entre a tradição, o sagrado e o popular. A tarde foi preenchida pela troca de conhecimentos com a apresentação de cada delegação e a exibição de pequenos vídeos de cerca de 2 minutos cada, demonstrando como acontecem as procissões em cada cidade, estendendo suas bandeiras e explicando detalhes sobre as roupas, trajetos e estruturação organizacional.

Essas distintas apresentações, tornaram-se ainda mais evidentes ao final do dia, quando no ponto máximo do encontro, os representantes se reuniram para a realização da Procissão simbólica com participação de todos pelas ruas de Goiás.

Primeira procissão do Fogaréu do Brasil

Foto: Karina Carvalho

Às 23h59 da noite de sábado, (13) para domingo (14), cerca de 20 participantes das diferentes cidades, com seus trajes locais, se uniram aos 60 farricocos da cidade de Goiás em frente do Museu de Arte Sacra da Boa Morte. Foi o início do primeiro cortejo coletivo reunindo manifestações das 17 cidades de 7 diferentes estados do país em celebração simbólica na união de todos as procissões do Fogaréu do Brasil.

Os farricocos de Goiás apresentaram-se à frente do cortejo, seguidos pelos músicos da fanfarra. Na sequência, Bosco Maciel representou Guarulhos com sua vestimenta tradicional de Antonio Conselheiro, uma bata marrom, tecido branco à cintura, chapéu de fitas populares e carregando uma cruz de madeira de aproximadamente 2,5 metros, com a parte superior envelopada em papel dourado. Ao lado de Bosco estava Marcos Xavier, artista da cidade de Caxias do Maranhão que há anos interpreta Jesus Cristo em sua cidade. Na sequência, seguem os demais farricocos, com vestimentas que seguem o mesmo padrão concebido em Goiás, mas com as particularidades de cada cidade.

Foto: Karina Carvalho

Da porta do Museu de Arte Sacra da Boa Morte, o cortejo seguiu pela Rua Moretti Foggia (Rua do Encontro), em direção ao Santuário do Rosário. Normalmente, nesse momento ocorre a encenação da Santa Ceia – o que foi devidamente substituído por uma fala explicativa, posto que não se justificaria tal representação em um momento que foge à liturgia religiosa. Da mesma forma, com a sequência do cortejo rumo à Igreja São Francisco de Paula, que durante a Semana Santa representa o Monte das Oliveiras.

Este é o local onde ocorre a encenação da prisão de Cristo. No entanto, após discurso do prefeito da cidade, os presentes acompanharam a  apresentação artística de Marcos Jardim, Andréa Teixeira e Ana Rita Ludovico. Finalizadas as apresentações, aplaudidas pelo público presente, o cortejo retornou ao ponto inicial, com a finalização da fanfarra e o apagar das tochas.

O Fogaréu de Guarulhos como Manifestação Tradicional Nacional

No domingo (14) os participantes se reuniram dentro da Igreja São Francisco de Paula para uma avaliação do encontro e para receberem o título de reconhecimento oficial por parte da Organização Vilaboense de Artes e Tradições – OVAT.

Bosco Maciel, presidente do Instituto Cultural Casa dos Cordéis, responsável pela realização da Procissão do Fogaréu em Guarulhos e Vitor Souza, produtor e gestor cultural, receberam das mãos do Presidente da organização o reconhecimento oficial transcrito abaixo:

A Organização Vilaboense de Artes e Tradições – OVAT no exercício de Sua Missão de Valorizar, preservar e promover as manifestações culturais e religiosas que compõem o patrimônio imaterial de nosso povo, reconhece oficialmente a Procissão do Fogaréu da cidade de Guarulhos – SP como parte integrante das tradições que iluminam a fé, a identidade e a história das comunidades brasileiras. Essa manifestação , que transcende o tempo e reacende a memória dos últimos passos de Cristo rumo à crucificação, carrega consigo o poder simbólico da luz na escuridão, da resistência da fé e da união do povo em torno de seus valores espirituais. Por sua relevância cultural, histórica e religiosa, a Procissão do Fogaréu de Guarulhos – SP passa a ser considerada, por esta organização, um bem de valor tradicional, digno de respeito, preservação e transmissão às futuras gerações , como expressão viva da devoção cristã e da riqueza cultural do Brasil.

O documento, datado na cidade de Goiás em 14 de setembro de 2025, conta com a assinatura de Leonnardo Vinicius Campelo, Tesoureiro; Heber Rezende Rocha Júnior, Secretário; e Guilherme Antônio de Siqueira, Presidente da Organização Vilaboense de Artes e Tradições.

II Encontro já tem data e local

Registro final dos participantes do I Encontro das Procissões do Fogaréu do Brasil (Foto: Karina Carvalho)

Ao final da realização do primeiro encontro, ficou definido que o II Encontro das Procissões do Fogaréu do Brasil acontecerá em Caxias – MA, nos dias 29, 30 de outubro e 1º de novembro de 2026. A cidade natal de Gonçalves Dias, também é a cidade do idealizador do encontro –  Leonardo Barata.

A organização do evento já definiu que após o encontro de 2026, uma nova cidade será escolhida, porém o encontro passará a acontecer em formato bienal. A decisão da realização inicial em anos consecutivos ocorre no sentido de fortalecer a rede de realizadores. Uma oportunidade singular posto que devido ao fato de se tratar de uma data fixa, torna-se praticamente impossível que esse intercâmbio possa ocorrer durante a realização das festividades.

Para conhecer um pouco mais sobre alguns dos citados aqui, seguem os canais no Instagram:

 

 

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