Primeira batalha de funk e passinho celebra resistência e inovação da cena cultural em Guarulhos
Evento independente, que aconteceu na Nossa Casa – Artes e Terapias, no Jardim Paraventi, reuniu artistas e trouxe inovação para a cena cultural da cidade
Por Larissa Cordeiro
Tá ligado que Julho é o mês do Funk e em comemoração, no último sábado (05), a cidade de Guarulhos reafirma o quanto é embaçada na cena cultural com um marco histórico para o movimento Funk: a primeira batalha que combina funk e passinho, trazendo à tona de primordial discussões sobre os estilos de dança no universo Funk e seus graus de reconhecimento e valorização.
O evento “Nossa Casa é o Fluxo”, idealizado pela dançarina braba Ju Martins e realizado em parceria com o espaço Nossa Casa Artes e Terapias, foi inteiramente independente, sem apoio público ou patrocínio privado, naquele pique do nóis por nóis, fruto da força coletiva do movimento funk e do investimento próprio da produtora. “O único jeito de fazer é contando com a coletividade”, explica Ju Martins, que juntou uma rede de colaboração entre artistas, produtoras, equipamentos emprestados e a disposição do funk para viabilizar o corre que escancara a necessidade urgente de políticas públicas para o setor cultural.
Pioneirismo e inovação cultural
O mais chave do evento foi a batalha “Qual bumbum mais bate? Qual bumbum mais pula?”, que inovou ao combinar movimentos de quadril tradicionais do funk com elementos do passinho. “Geralmente a gente vê batalha de passinho, de passinho misturado com outras danças, mas batalha de funk com movimentos de quadril, não tinha! Como era um desejo antigo, fui no corre e organizei”, destaca a produtora, que ousou criar um formato inédito para celebrar a pluralidade de corpos e possibilidades de dançar Funk.
A programação extensa honrou a diversidade cultural do território fazendo acontecer uma par de coisa: teve aulão de passinho, poesia, exposição, culinária, moda e feira criativa, criando uma experiência que reflete a multiplicidade de expressões e linguagens artísticas do movimento funk. Apresentações do grupo NGKS – relíquia que despertou nostalgia e reconhecimento na galera -, além do Bonde das Reboladeiras, MC Benê, DJ Lelê, Larissa Cordeiro, Haymara Soliano, Severo na toque da cerimônia e muita gente que é o corre na cultura!
Corpo em movimento: território de produção de vida
Como ninguém tá de chapéu, o evento carregou um profundo teor político de resistência à criminalização histórica do funk. A escolha estratégica do mês de julho – que marca o mês nacional e estadual do funk – conectou-se aos cinco anos do projeto “Abundança”, pesquisa de conclusão do curso técnico de dança de Ju Martins na Etec de Artes, demonstrando que o estudo é o caminho e a caminhada é ter o pé na rua como continuidade de uma trajetória de estudo e ativismo cultural.
“Para mim o funk é um modo de vida. A gente tem nosso jeito de se vestir, de falar, de se expressar, nossa forma de empreender, a gente se comunica com o espaço, com a rua, tem nossas artes: visuais, audiovisuais, literárias, diversos gêneros de música, estilos de dança”, afirma Ju Martins, evidenciando a amplitude e legitimidade cultural do movimento que há décadas molda a identidade periférica e ainda assim é alvo dos bico e do desprezo do poder público em investir no Funk.
O evento afirmou a dança e o corpo negro periférico como territórios fundamentais de produção de vida, conhecimento e resistência, sobretudo por meio do movimento de corpos historicamente perseguidos e criminalizado, é aquilo: “é som de preto, de favelado, mas quando toca, ninguem fica parado”.
A ocupação da rua, em plena luz do dia, simbolizou a retomada democrática do espaço público pela cultura de kebrada, gerando reconhecimento e apoio do entorno, mostrando como a cultura funk construiu em nós memórias afetivas coletivas.
De curiosos à comerciantes interessados na próxima edição, a resposta do público só confirmou a efervescência cultural guarulhense como um território que há muito tempo é diferenciado e avançado no cenário da produção cultural independente. Guarulhos sempre foi arte, criatividade e luta!
Urgência de políticas públicas para a cultura
Uma visão essencial que o evento quis passar, foi a urgência de políticas culturais para a cultura funk. Ju Martins foi poukas ideias ao apontar os caminhos: “Reconhecer o funk enquanto cultura legítima e popular na cidade, criar políticas públicas para o funk já seria um bom começo. Recurso financeiro é o básico, mas se disponibilizasse estrutura já ajudaria, como espaço, equipamentos de áudio, iluminação, um palco, tapete de dança, lugar pra sentar”.
A produtora também denunciou a precariedade estrutural que afeta o setor: sobrecarga dos organizadores, a impossibilidade de remunerar adequadamente artistas e colaboradores, e a falta de apoio para divulgação – questões que revelam o abismo entre a potência cultural do território e o reconhecimento da secretaria de cultura de Guarulhos. Mas é como nos ensina o poeta “nóis leva a vida no sorriso mesmo passando sufoco”.
Continuidade e ampliação do projeto
O sucesso da primeira edição já é marcha pras próximas! Juliana planeja ampliar a programação com oficinas de produção de videoclipe, palestras sobre acesso aos recursos públicos da cultura, além de incluir debates, estética e uma programação especial para crianças – afinal as mães também querer curtir!
Mais do que uma festa, foi um manifesto: a cultura funk de Guarulhos está viva, criativa, politicamente consciente e disposta a ocupar seus espaços de direito. O desafio agora é construir pontes entre essa efervescência histórica e as políticas públicas necessárias para seu desenvolvimento sustentável e reconhecimento definitivo.
O evento “Nossa Casa é o Fluxo” aconteceu no dia 05 de julho, das 15h às 21h, na Nossa Casa Artes e Terapias, localizada na Av. Avelino Alves Machado, 367, Jardim Pinhal, Guarulhos.
