Sesc Guarulhos reúne grafiteiros e muralistas da cidade em projeto de arte urbana no Parque das Seringueiras
Documentário “Muros tatuados: caminhos poéticos” registra sentimentos, pensamentos, fazeres e saberes dos artistas e moradores do bairro nos muros
Parque das Seringueiras. Guarulhos. São Paulo. Com o objetivo de aproximar a arte urbana das pessoas promovendo uma pluralidade de pensamentos, reflexões e expressões, o Sesc Guarulhos promoveu o projeto “Muros tatuados: caminhos poéticos”, ação de arte urbana para revitalização do canteiro na esquina das ruas Guilherme Lino dos Santos e Cristóbal Cláudio Elilo, na Vila Fátima, que contará ainda com horta urbana, bancos e iluminação pública. O resultado da revitalização foi registrado pelo cineasta guarulhense Wesley Gabriel, o WG, em um documentário de pouco mais de 10 minutos, com produção do Coletivo Imargem e depoimentos dos artistas participantes e de moradores da região.
Convidado pelo Sesc Guarulhos para a cobertura audiovisual do projeto realizado no Parque das Seringueiras, WG acompanhou todo o processo, desde o momento do encontro dos artistas com o curador Mauro Neri, a caminhada pelo bairro, o diálogo com os moradores, a concepção da proposta, a escolha dos muros à produção artística que culminou com a ação de grafitagem. “Nesse processo, eu fui entendendo junto com os artistas convidados como seria a parte da produção audiovisual. Então, o roteiro foi pensado mesmo nesse processo de pré-produção”, explica o jovem produtor morador do Conjunto Marcos Freire, região do Bairro dos Pimentas, onde vem desenvolvendo conteúdo audiovisual sobre grafite há cerca de 5 anos junto ao Projeto ComCom Pimentas.
Em todo trabalho audiovisual com grafite, WG conta que costuma priorizar o registro de imagens antes do início das pinturas, durante o processo e depois de finalizada para mostrar a transformação pela qual o espaço passou. Sobre os aspectos técnicos, WG conta que buscou diferentes takes com o uso de drone, o que lhe permitiu mostrar imagens aéreas que dimensionam o local, e uma câmera Gopro presa junto ao braço dos grafiteiros que lhe rendeu detalhes interessantes das mãos dos artistas.
Tudo isso resultou na produção de um conteúdo que prima por diferentes olhares e anseios. “Eu quis pegar o ponto de vista do Sesc enquanto instituição idealizadora, o ponto de vista do Mauro como artista convidado, dos grafiteiros guarulhenses envolvidos com o projeto e dos moradores do bairro. Todas essas visões foram essenciais para a construção da narrativa do filme, foi muito importante ter a fala de todos que participaram”. Para o trabalho de edição do filme, WG contou com a valiosa parceria do cineasta André Okuma, e no áudio, com a expertise de Fernanda Campos.
Sentimentos, pensamentos, fazeres e saberes
A proposta da intervenção artística e as melhorias feitas no Parque das Seringueiras contribuem com o uso mais consciente do espaço pela população do entorno, a valorização e criação de identidades, o que inibe o descarte irregular de lixo no local. “Convidamos os artistas grafiteiros e grafiteiras e muralistas do território guarulhense para a execução desse projeto. Os temas que surgiram para as obras serem criadas, elaboradas, desenvolvidas foram construídos de forma conjunta entre os moradores, comunidade e artistas”, explica Moacyr Masaichi Turuzawa, agente de Educação Ambiental do SESC Guarulhos.
Em meio aos trabalhos artísticos, que registram sentimentos, pensamentos, fazeres e saberes dos artistas e moradores nos muros, há trabalhos de Rogério Simeão da Silva (Fofão), Iuri Silva de Mattos (Sully Art), Adriana Maria Barbosa da Silva (Drik), Marcos Paulo Feliciano (Pato), Marcio dos Santos Cardoso (Big Zullu), Amanda Favali Moncia (Favali), Larissa Da Silva Santos (Leona Santos), Ana Carolina Pimentel, Vitor Gomes (DRJ Leprechaus) e Thiago dos Santos (Pretoman). Com seus desenhos, o grupo objetivou criar outros significados e utilização do espaço por parte dos moradores e moradoras da região, estimulando um espaço de apropriação e cuidado, visitação e convivência.
“Muros tatuados é uma intervenção aqui na comunidade da Seringueira, que são deixadas na pele da cidade, na superfície externa, na rua, nos muros, nas paredes, um pouco da expressão inspirada na pegada da educação, no centenário de Paulo Freire, trazendo nossas questões da identidade negra, indígena, os nossos anseios, os nossos gritos, nossa expressão. Eu acho que o grafite é uma possibilidade muito real de transformação primeiro da aparência, depois da essência das coisas”, observa o tutor do projeto, Mauro Neri, conhecido como Veracidade, artista do Coletivo Imagem.
O grafiteiro Pretoman explica que a troca de ideias antes do início do projeto foi essencial para a realização deste trabalho. “Depois da primeira conversa aqui no local, com o pessoal contando as histórias, deu pra ter muito mais ideias. Depois de ouvir todas essas histórias de motivação e luta para as pessoas conseguirem suas casas, eu quis retratar no desenho a luta dos moradores do Parque das Seringueiras ou de alguns deles, para poder mostrar a dificuldade que foi, o que eles passaram para conseguir suas casas no assentamento”.
A mulher, sua força, sua luta
Fernanda Palhano é a moradora mais antiga do Parque das Seringueiras e vive no local há 22 anos. “Quando vim pra cá, o assentamento tinha três meses de início. Eu moro aqui com muita satisfação e hoje eu estou honrada de ver esse pessoal decorando o muro da nossa sede. É um trabalho tão bonito ao ponto de uma criança passar e se reconhecer num desenho”, vibra.
Além de estampar a imagem da Dona Fernanda em um dos muros da Associação dos Moradores do Núcleo Habitacional do Parque da Seringueira, a grafiteira Ana Carolina Pimentel ficou responsável por retratar também a Dona Néia, personagem que também colaborou com a construção do bairro. Por meio de QR codes combinados aos grafites, é possível conhecer um pouco mais das histórias de luta e força dessas mulheres. “Pra mim é uma honra muito gigantesca, pela oportunidade de falar de mulheres, de retratar sua luta”.
A grafiteira Leona Santos conta que seu trabalho nos muros do bairro buscou representar o Parque das Seringueiras a partir da presença marcante das mulheres e sua habilidade de semear. “Acredito que minha participação aqui é importante pela representatividade da mulher preta nos espaços de grafitti que é minoria nesse momento. Acredito que o que eu vim fazer aqui , o que todo mundo veio fazer é trazer uma luz, um vigor para a comunidade do Parque das Seringueiras, até porque esses trampos são exatamente para esses moradores”.
Com seus trabalhos, Favali busca mostrar que a mulher está nas ruas, pintando. No Parque das Seringueiras, a grafiteira abordou a questão da ancestralidade. “Achei que esse seria um momento oportuno para trazer a força da mulher da terra, dessas deusas que habitaram um dia a terra, trago muitas sereias, acho que a sereia traz essa coisa da mulher forte, que tem seus mistérios ao mesmo tempo que encanta, ela tem o poder de afogar, de colocar pontes em suas decisões”.
Para a educadora ambiental Fatima Dias, os moradores foram fortemente impactados pela beleza das pinturas. “Não tinha absolutamente nada nos muros e, agora, existe uma arte e essa arte transmite uma beleza muito grande, você para, olha, analisa e pensa e vê como existe um trabalho bom, como existem profissionais que conseguem traduzir através dos traços uma beleza com cores”.
De acordo com o cineasta WG, a grande conquista desse trabalho feito a muitas mãos, duradouro, é a oportunidade de que mais pessoas possam vê-lo e conhecer o bairro. “O legal do grafite e do muralismo é que você faz o trabalho e depois ele fica na comunidade, todo mundo que passa, observa, admira, então é um trabalho que fica até que um novo tome o seu lugar”.