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Álbum instrumental de Marcos Davi Lisboa revela referências de música clássica, jazz, choro e samba

Com divulgação impactada pela pandemia, Sete, último álbum do violonista e compositor radicado em Guarulhos, é fruto de gravações guardadas ao longo de vários anos

Por Carla Maio

“Com sensibilidade e bom gosto nas composições, precisão e delicadeza nas execuções, além da habilidade como produtor, Marcos Davi vem para deixar sua marca no mundo da nossa música instrumental”.

Ulisses Rocha

O comentário do violonista brasileiro é um entre outros elogios de grandes músicos, dentre os quais Edu Lobo, Roberto Menescal e Sid Jacobs, dedicados ao violonista e compositor Marcos Davi Lisboa. O músico, que recentemente lançou Sete, terceiro álbum solo, coletânea gravada entre Brasil e França, celebra trajetória de mais de 30 anos de trabalho árduo para dar visibilidade à música instrumental.

Sete é fruto de gravações guardadas ao longo de vários anos. Depois da mixagem e de deixar tudo pronto para a divulgação, Marcos Davi Lisboa deparou-se com a pandemia e o cancelamento de todas as apresentações. Com a divulgação comprometida, os trabalhos se voltaram exclusivamente às plataformas de streaming. “Aprendi bastante a respeito desse universo digital. Mas eu preferiria ter ficado mais ignorante a respeito e não ver tanta gente morrer. Isso sem falar da maldade de intenções reveladas pelos governos mundiais, especialmente o brasileiro”.

Foto: Donata Ettlin

Das músicas que compõem o álbum Sete, apenas “Arrastão” (Edu Lobo e Vinícius de Moraes) foi gravada exclusivamente para o CD. Nesse disco, Lisboa tocou com seus amigos, Fábio Zaganin (baixo), Ulisses Rocha (guitarra), Cláudio Machado (baixo), Evandro Gracelli (guitarra) Vlad Rocha (bateria), Fábio Azem (guitarra), Christiano Rocha (bateria), Adonias Júnior (áudio), Lucie Etienne (voz) e Dominique Lo (áudio). Para o músico, trabalhar assim é uma grande bênção.

Além de Sete, Marcos Davi tem outros dois álbuns gravados. Criação (2004), trabalho que deu direcionamento à carreira de compositor, abriu caminhos e foi muito bem recebido pelos colegas de música instrumental, e CASA III (2006), registro bem arranjado de um trio de violões com Diogo Carvalho e Wanderson Bersani, são trabalhos que denotam a conexão natural de suas composições ao violão com a música clássica, jazz, choro e samba.

Para ouvir os álbuns de Marcos Davi Lisboa no Spotify, clique aqui.

Porto-alegrense de nascença; guarulhense de coração

Porto-alegrense de nascença e guarulhense de coração, Marcos Davi Lisboa mora com a família no bairro Macedo. Ainda no Rio Grande do Sul, deu início a seus estudos musicais e formação. Aos 15 anos foi convidado a dar aulas e, anos depois, já tocava e circulava por bares, teatros e estúdios. “Gradualmente, fui percebendo a música como possibilidade profissional. Defini essa condição aos 22 anos quando abandonei a faculdade de geologia”, conta Lisboa.

Sobre suas influências musicais, nomes como Egberto Gismonti, Johann Sebastian Bach, Antônio Carlos Jobim, Heitor Villa-lobos e W. A. Mozart figuram como fontes de inspiração para suas composições. Marcos Davi Lisboa demonstra verdadeira relação de afeto e carinho com tais músicos. “A influência é inevitável quando amamos algo ou alguém. Ficamos e nos deixamos expostos. Meu primeiro encantamento veio com Bach. A inteligência e a beleza de sua obra me levaram a estudá-lo, tanto musical quanto biograficamente. Depois foi o Jobim. Passou-se exatamente o mesmo. Amo esse homem. Depois que conheci a obra de Villa-Lobos percebi que aquilo tinha a força do Brasil somada à força da música ousada e inquieta. Toquei e toco quase toda a sua obra para violão solo. Encontrei no Egberto Gismonti uma espécie de síntese contemporânea de tudo isso. O Mozart, Joaquim Rodrigo, Pixinguinha, Cyro Pereira, Radamés Gnatalli… Cada vez que paro pra compor eu penso nesses homens e suas obras. Tudo está neles”, vibra o músico.

Boa música, bons livros

Lisboa explica que Brazilian Jazz é um rótulo que a música instrumental brasileira recebeu no exterior. “É importante entender que o termo jazz passou a referir-se não apenas a um estilo de música. Hoje, o termo define “música de boa qualidade”. É comum ver artistas como Sting, Gilberto Gil, Norah Jones e João Bosco tocando em festivais de jazz, além dos próprios jazzistas”.

Aficionado por literatura brasileira, ele admira os autores russos, em especial Vladimir Nabukov. Para o músico, tal como a música em si, a literatura contribui em sua forma e essência para que ele possa nos alcançar por meio de sua sonoridade, mas também por meio de sua sensibilidade. “Eu amo a literatura tanto quanto a música. Quem começa a ler os russos fica surpreso. Eu não imaginava que pudesse ser tão profunda, delicada e reveladora da essência humana. A Morte de Ivan Ilitch, de Tolstói, além de ser um clássico da literatura mundial, me deixou impressionado. Sobre Vladimir Nabukov, Lolita é uma obra impressionante. Uma coisa surpreendente é que ela foi originalmente escrita em inglês. Cada idioma tem o seu ‘segredo’, o que costuma ser uma barreira importante a ser rompida pelo escritor. Para Nabukov, isso parece não ter sido um problema”.

Foto: Studio RGB

Em meio às suas predileções estão a filosofia, idiomas, comportamento, cultura árabe, aviões e o plastimodelismo. Marcos Davi também gosta de olhar fotos de personalidades como Sharbat Gula, Luiza Brunet, Audrey Hepburn, Miles Davis e Chat Baker, rostos que estão entre os que julga serem os mais tristes e belos que já viu.

Nada de confundir arte com entretenimento

Marcos Davi Lisboa tem experiência de atuação em países como Alemanha, França, Suíça, Bélgica, Espanha, Áustria e já gravou com inúmeros artistas, experiências que, felizmente, lhe renderam boas histórias.

“Certa vez, eu tocava com músicos suíços em uma cidadezinha chamada Undevelier. Uma região rural cercada por altas montanhas na Suíça francesa. Fomos contratados pelo proprietário de um hotel/restaurante da região. Ele era um sósia do Nietzsche, com o bigodão e tudo mais. Um homem muito simpático e entusiasta da boa música. Foi o que me disseram a respeito dele. Na noite da apresentação eu pude perceber seu entusiasmo enquanto circulava entre as mesas dos convidados. Após anunciar a última música da noite e dar o acorde final, fui surpreendido com a cena do “Nietzsche suíço” em cima de uma das mesas de braços abertos enquanto gritava para todos ouvirem: “

Ninguém se mexe! Vocês não acham que essa apresentação merece mais alguns francos? Claro que sim! Então, eu vou passar o chapéu e vocês podem oferecer mais dinheiro. Nossos músicos de hoje merecem toda a generosidade de vocês! Obrigado e mais aplausos.” Então, ao fazermos o acerto de contas, recebemos o cachê combinado, o cachê extra que ele solicitou ao público, além de ele ter pago mais do que combinamos pela apresentação. De uma maneira linda, o Sr. “Nietzsche” confirmou que era realmente um entusiasta da boa música”.

Foto: Donata Ettlin

Dessas experiências, Lisboa concluiu que a vida de artista sempre será difícil em qualquer lugar do mundo. “Naturalmente, os países de economia mais robusta e forte lastro educacional tendem a oferecer alternativas mais consistentes. Mas penso que, se em todos os lugares do mundo a arte necessita de subsídios públicos, ela não está muito bem enquadrada no conceito de mercado. (Aqui é importante não confundir arte com entretenimento). O Brasil não é diferente de ninguém nesse sentido. Ele apenas corresponde às suas estruturas econômicas e sociais”.

Sobre os rumos da música instrumental no Brasil, o músico observa que ela segue sendo cada vez mais rica, diversificada e impressionante. “Ela, a música, é, na verdade, o que toda a arte brasileira é: exponencialmente rica, linda, encantadora…(os adjetivos ocupariam todo o espaço). Gosto muito de uma observação sagaz do jornalista Daniel Alves Neves:

“Viajo muito pelo mundo. Sempre ouço pessoas dizendo que querem conhecer o Brasil. Mas nunca ouvi ninguém dizer que quer conhecer o arroz, o gado ou a soja brasileiros. Todos falam sobre a música do Brasil.” Esse registro do Daniel Neves não é apenas emocionante. Ele deve ser percebido como uma constatação em nível estatístico”.

Para saber mais sobre a carreira do músico Marcos Davi Lisboa, acesse www.marcosdavi.com.br.

Foto da capa: Marcus Hausser

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