Amalgamini mergulha no universo mágico e fantasioso da criançada
Em entrevista para a Guarulhos Cultural, André Bizorão fala do projeto e de como as personagens prometem mexer com o imaginário de adultos e crianças
Por Carla Maio
Despertar sentimentos de encantamento no público infanto-juvenil e sensibilizar adultos para que continuem a sonhar. O coletivo Amalgamídia investiu grande potencial inventivo na elaboração de Amalgamini, projeto de criação de programa com episódios inéditos e autorais, com temas e quadros variados e que têm como base um universo repleto de magia.
Com episódios destinados a crianças de 6 até 11 anos e inspirados nos programas infantis consagrados pela TV Cultura, que sempre priorizaram a qualidade e o respeito ao público infantil, Amalgamini vale-se da perspicácia, inteligência e compreensão de mundo da criançada para adentrar nesse universo mágico e fantasioso.
Em fase de criação de figurinos e cenários, o projeto prevê a exibição de 20 episódios com duração de 5 minutos cada, veiculados pelo canal do coletivo Amalgamídia no YouTube às terças e quintas. Contemplado com recursos federais da Lei Aldir Blanc, Amalgamini apresenta temas sócio-políticos, fala de responsabilidade social e respeito ao próximo em meio a grandes debates filosóficos e sociológicos, tratados de forma simples e sob a ótica das personagens.
Em um bate-papo com a Guarulhos Cultural, o roteirista e idealizador do projeto, André Bizorão, fala do modo como o projeto foi concebido e da grande expectativa em realizar episódios que prometem mexer com o imaginário das crianças, mas também dos adultos que não permitiram que suas crianças interiores os abandonassem.
Um chapéu ou uma serpente devorando um elefante?
Quais são os temas propostos para os episódios de Amalgamini?
Trataremos de temas variados como amor, solidão, inveja, coletividade, amizade, tristeza e tantos outros quanto forem possíveis dentro da primeira temporada proposta nessa edição. O coletivo se provoca a refletir continuamente a respeito dos conteúdos oferecidos as crianças em tempos que a comunicação ficou tão acessível e, ao mesmo tempo, a produção de conteúdo voltada a esse público perdeu espaço nas grades de programação dos canais abertos de TV. Nossa reflexão transita no comparativo de canais do YouTube, que apelam unicamente para o consumismo de brinquedos e/ou de ideologias internacionais, ou para atuações forçadas e artificiais quem buscam prender a expectativa dos espectadores pelo exagero.
Como é feita a seleção de temáticas de cada episódio?
O nosso processo criativo está sendo muito rico, pois cada integrante levanta questões e possibilidades de trabalho dentro do universo fantástico de Amalgamini. Como 70% do coletivo é pai, mãe e/ou educador, realizamos um apanhado geral dentro do que observamos nas crianças próximas a nós.
Tenho um olhar bem generoso e uma escuta ativa. Nos é dada uma permissão especial para pertencer, mesmo que por alguns instantes, ao universo que só às crianças são autorizadas a estarem, imersos lá. Levantamos questões muito comuns a elas e que, muitas vezes, são negligenciadas pelos adultos que já apresentam suas respostas prontas para anular a curiosidade infantil, que preencherá essas lacunas com suas próprias respostas, ora caótica ora mágicas. Nós não pretendemos dar respostas a todas essas perguntas, mas permitir que o conhecimento implícito, natural e orgânico se estabeleça com pontos de vistas para incentivar a curiosidade e a descoberta das crianças.
Fale da concepção e criação das personagens:
O Amalgamini conta com a criação de cinco personagens, duas delas humanas, o Chico Poesia e o Zé Cordé, e outras três que são seres do fundo do mar, o Caranguejaldo, o Caramujias e a Rita Conchita. Esses últimos três vivem em uma garrafa e foram inspirados nos Mutantes Arnaldo Batista, Sérgio Dias e Rita Lee.
O desenvolvimento dos conceitos das personagens, da estrutura e da estética se relacionam intimamente com o nosso desejo de provocar uma experiencia sensorial e filosófica nas crianças que assistirem o programa. Junto da concepção das personagens, da sua aparência e paleta de cores, também iniciamos a concepção da cenografia e dos adereços que serão utilizados na gravação dos episódios.
Quem são as pessoas por detrás do coletivo Amalgamídia e como foi feita a escolha dessa equipe?
O coletivo Amalgamídia é composto por mim, André Bizorão, Ox Canolla, Filds Marques, Kimberly K, Don Ramón e Valéria Liper. O elenco nasce de vínculos de amizade que ultrapassam os anos. Eu já desenvolvo há algum tempo uma série de ações artísticas com todos os participantes do projeto, seja na realização de eventos como saraus, ou dentro de salas de aula, onde em alguns momentos fui amigo de turma e arte-educador.
Além desse vínculo, é importante dizer que todos os envolvidos nesse projeto se conhecem de alguma forma, e isso é fundamental para a construção estética e conceitual de Amalgamini, assim como para sua realização, visto que a proximidade traz mais organicidade para as atuações. Por fim, todos os envolvidos sempre nutriram uma imensa vontade de trabalhar juntos uns com os outros. A Lei Aldir Blanc foi o que possibilitou essa integração que acreditamos não se encerrar ao fim do prazo proposto e após a realização do projeto, mas que se fortaleça como coletivo em novas produções e circulações com espetáculos em tempos não-pandêmicos.
Como foi a integração de vocês?
O trabalho é integralmente feito de forma colaborativa, desde o processo criativo, até a confecção dos vídeos, mas não por isso, se torna um processo anárquico. Existe uma liderança geral do projeto e as frentes de trabalho que se articulam nas tarefas para a realização do Amálgamini.
Eu e o Ox Canolla nos tornamos amigos na faculdade e, desde lá, planejávamos trabalhos conjuntos. Antes da pandemia estourar, estávamos elaborando um espetáculo infantil voltado para a complementação escolar e para espaços públicos de cultura como o SESC; porém, fomos impedidos de continuar. O Amalgamini, de certa forma, é fruto do amadurecimento dessa ideia e dessa vontade de construir conteúdos tornando-se referência a uma fase tão importante da vida.
Já o Filds Marques, é um parceiro de experimentações audiovisuais, desenvolvemos a concepção e a técnica do coletivo desde o início com transmissões ao vivo, entrevistando grandes expoentes da cultura guarulhense. Ele é artista plástico e designer gráfico, além de músico no projeto, assina a direção de arte.
A Kimberly K é cantora, professora e mãe. Foi minha aluna num projeto social, mas sempre me ensinou mais do que eu a ela. É dona de uma sensibilidade gigantesca que arrebata a qualquer um que a escute cantar e, por consequência, encantar. Além das vozes nas canções, também compõe para o projeto.
O Don Ramón é quem respira música e que consegue traduzir em melodias o que está grafado no papel. Multi-instrumentista, cantor e produtor, é responsável pela direção musical, dando vida às composições e realizando as gravações em seu estúdio.
A Valéria Liper, que também foi minha aluna, mas sempre bateu asas de forma independente e autônoma, desenvolveu inúmeras habilidades artísticas além da atuação. É formanda em Artes Cênicas no Senac, instituição onde também se aprofundou e profissionalizou em maquiagem artística, tendo essa função neste projeto.
Sonhar e projetar sem limites
Como está o cronograma de produção?
Por causa da pandemia, tivemos que readaptar os episódios, por isso, estamos chamando essa primeira temporada de Amalgamini Prólogo. Iniciamos o processo criativo logo que ficamos sabendo da aprovação do projeto. Como partimos da premissa de construir tudo de forma autoral, o ponto de partida foi uma imersão em uma pesquisa que partiu da sensibilização dos participantes e da troca de referências de conteúdos que inspiraram cada um dos envolvidos na produção.
Em seguida, também surgiram os primeiros argumentos de roteiro e letra para as músicas que já começaram a ganhar suas primeiras melodias. Agora, finalizamos a produção dos figurinos e cenografia, fizemos ensaios, ajustes e estamos aguardando a gravação dos episódios. A expectativa é de que os episódios sejam lançados em junho.
O que o coletivo espera alcançar com esse projeto?
Esse sonho por si já é a realização e materialização de vários sonhos, vê-lo nascendo e crescendo com toda a potência que alcançamos, dentro das limitações técnicas e estruturais (comparado aos recursos de um programa de TV, por exemplo), nos inspira a acreditar que é possível oferecer um conteúdo de relevância e qualidade para o público infantil, desde cedo tão massificado por conteúdos que, ou apelam para uma ingenuidade tão excessiva que beira a subestimação da inteligência infantil ou torna a vida um grande mercado no qual o importante é comprar, comprar e comprar, além de exibir o que se tem e não o que se é.
Pretendemos ir na contra mão dessa lógica e resgatar nossa memória afetiva que, sem dúvida alguma, tem em nossas estruturas mais profundas, horas e horas em frente da televisão acompanhando aventuras, invenções criativas e descobertas da infância. Queremos oferecer isso às crianças da atualidade, que têm uma quantidade excessiva de informação não qualificada. Estacionadas em frente às tela, elas transitaram entre os programas infantis, quase inexistentes hoje em dia, e canais do YouTube que, via de regra, não passam pelo filtro dos pais, acompanham, só deixam as crianças.
Sendo assim, trabalhamos não só para cumprir o que foi proposto para o edital, mas buscamos nos tornar referências, oferecendo um conteúdo trabalhado e construído com dedicação e respeito, sem subestimar a capacidade intelectual das crianças.
O que está para além da execução do projeto da Lei Aldir Blanc?
Depois de pronta a primeira temporada de Amalgamini e logo após o lançamento dos episódios, a ideia é mapear a recepção do projeto pelo público por meio dos comentários nos vídeos e até de pesquisas realizadas com formulários. Com isso, saberemos o que funcionou e o que pode ser repensado na continuidade do projeto.
Além de buscar outras formas de financiamento para novas temporadas, também pretendemos ter uma versão de Amalgamini para os palcos. Dessa forma, podemos circular em teatros, festivais e espaços culturais como as unidades do SESC.
Por fim, ter uma temporada completa nos dá a oportunidade de sonhar e projetar sem limites, visto que o conteúdo servirá como portfólio para ser apresentado inclusive em emissoras que tem o mesmo público-alvo.