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Opinião

Prata da Casa

O papel das políticas públicas vem se tornando evidente, mas precisamos superar o risco do uso político para não cair em armadilhas.

por Vitor Souza

Uma Olimpíada em meio a pandemia é um prato cheio para quem tem os dedos quentes e afiados para trabalhar nas redes sociais. Diferente do que possa parecer, não venho falar de esporte, pois, definitivamente, tenho muito pouco a contribuir nesse segmento para além da minha paixão pelo Corinthians.

No último dia 29 de julho, o Brasil conquistou pela primeira vez uma medalha na ginástica olímpica feminina – Rebeca Andrade, Prata nos jogos de Tóquio 2020. Rebeca nasceu e começou no esporte em Guarulhos, cidade em que vivo hoje. Imediatamente, a cidade fervilhou entre os que comemoram a Prata de Guarulhos e os que entendem que a cidade nada fez para tal feito.

Naquele ônibus que pegamos em 2013 e que nos custou muito mais do que vinte centavos, as discussões passaram a se tornar bastante rasas. Desde então, basta-se ter um lado para chamar de seu, agarrar e seguir num eterno Você Decide.

O que a medalha de Rebeca Andrade revelou é justamente um trabalho de base que a cidade de Guarulhos por anos desenvolve e sua relação com uma diversidade de atividades esportivas. Não significa que todas as crianças que passam por Guarulhos serão medalhistas. Não significa que os governantes brasileiros possuem uma estratégia focada no desenvolvimento esportivo como base estrutural da condição cidadã. Mas significa sim que, o fato de você ter uma política presente na cidade, deu a oportunidade de que uma criança pudesse chegar e colocar seu nome, o nome de sua cidade e de seu país nos diários do mundo.

A cultura brasileira vive esse problema cotidiano. São raros os locais que conseguiram garantir uma política cultural consistente e os que assim fizeram, naturalmente permitiram um desenvolvimento cidadão.

A mesma cidade de Guarulhos mantém hoje seu Conservatório Municipal com 60 anos de atividade. Não foi à toa que no meio da atual crise política e econômica que o país vive, enquanto diversas orquestras encerravam suas atividades, Guarulhos manteve sua Orquestra Jovem e criou uma orquestra profissional – a GRU Sinfônica.

Novamente, não quer dizer que o fato de a cidade ter um Conservatório Municipal, todos os que passam por ela irão despontar como excepcionais solistas ao redor do mundo – não creio que seja essa a intenção de nenhum dos envolvidos. Mas uma política consistente nesse setor naturalmente permite que exista a oportunidade para que talentos venham a ser desenvolvidos.

Agora, também é comum que no momento de vitória o orgulho legítimo seja apropriado por diversas lideranças – políticas, econômicas ou sociais. Entendo com naturalidade a ação dos principais representantes do país, do estado e do município de se manifestarem num momento como esse. Aliás, o contrário que seria terrível – como um feito como esse poderia ser ignorado por essas esferas.

Ninguém é inocente e acredita que a medalha veio por conta de nenhuma liderança. Mas negar a importância do trabalho desenvolvido nessas bases, ainda que muito aquém do desejável, gera a indução de que ele não é necessário ou ainda que sequer existe. Enfraquece aqueles que estão comprometidos e que muitas vezes precisam exatamente de vitrines como essa para abrir o diálogo com governantes, patrocinadores e demais parceiros.

Foi assim com a Lei Rouanet, que “não atendia aos interesses culturais e somente mercadológicos” – uma falácia ignorante de quem somente observava os projetos de maior visibilidade ignorando a grande maioria de atividades fomentadas pela lei (entre elas, projetos de formação, museus e muitas das orquestras que acabaram por sucumbir ao coquetel maldito causado por uma visão quase criminalizada da cultura e suas leis de incentivo).

Nesses momentos em que as políticas públicas ganham os noticiários, que os resultados mais expressivos aparecem, ao invés de olhar isso com um discurso de apropriação, creio que a nós cabe evidenciar o resultado que isso gera.

Momentos como esse são muito valiosos para demonstrar o poder que um evento tem para causar o pertencimento de um grupo, assim como demonstra o que nos é óbvio: investimento social em segmentos esportivos e artísticos demandam um investimento contínuo e de longo prazo.

É importante mostrar que em determinado momento alguém decidiu construir um estádio, iniciar uma prática de treinos, fazer uma lei que permita o desenvolvimento ou a sobrevivência de setores. Nesse sentido, Cultura e Esporte são muito similares. Podemos sim aprender e potencializar esses momentos para que as políticas públicas sejam mantidas, reformuladas e ampliadas.

Graças aos que venceram os desafios do passado é que podemos desfrutar das conquistas do presente. E somente garantindo o que existe hoje, reconhecendo os esforços, agregando objetivos comuns é que será possível construir uma sociedade mais forte.

Para finalizar, gostaria de ter pensado em observar o número de pessoas que escutaram “Baile de Favela” do MC João antes e depois da apresentação da Rebeca Andrade. Espero que em breve alguém que possua essa informação revele esses números. O primeiro que descobrir, lembre-se de deixar nos comentários abaixo.

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