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Opinião

União cultural e o isolamento

por Vitor Souza

A maior banda de todos os tempos, o best-seller, a obra leiloada pelo maior preço, o TOP 10… toda individualização das artes, somadas ao imaginário egocêntrico que permeia o ambiente artístico, ofusca a realidade de um setor econômico que sempre pautou suas conquistas dentro de uma organização coletiva.

As principais manifestações artísticas, em sua maioria, foram reflexo de um movimento coletivo, seja literário, musical ou cênico: a proliferação de ações pautadas em uma mesma direção sempre deixou mais claros os caminhos e atraíram os interesses de Reis a mecenas. A união cultural é uma luz nesse cenário de isolamento.

Mas o momento que vivemos é extremamente obscuro. Será possível obter um desenvolvimento ordenado dentro de um isolamento pandêmico, em que o fazer cultural encontra-se em um debate tão adverso na sociedade?

O preço do isolamento

Não é pauta nacional a discussão sobre os impactos da pandemia no setor cultural, em especial no que se refere as atividades presenciais.

Um exemplo recente que beira o trágico é o fim da operação da FORD no Brasil. Serão demitidos cerca de 5.000 funcionários e mais de 50 mil que atuam na cadeia produtiva em torno das três plantas desativadas. O número é impactante e severo. Toda força possível para amparar essas famílias são mais do que justificada. Seja pela importância histórica da empresa ou pelo devido destaque, essa é uma demanda que dificilmente passou desapercebida durante o isolamento.

No entanto, em meio ao isolamento, o setor de eventos que ficou paralisado desde o início e, conforme os novos recordes de contaminação e mortes causadas pela Covid-19, devem se preparar (se ainda restar essa possibilidade) para um longo período sem atividades. A Associação Brasileira de Promotores de Eventos (ABRAPE) indica que foram perdidos, desde o início da pandemia, 335.435 empregos.

Este fato, infelizmente, ainda transita como uma normalidade. Não há constrangimento em pensar que mais de 300 mil famílias tiveram um corte permanente em suas atividades. As empresas que trabalhavam em grande parte fecharam, não havendo qualquer possibilidade de se realocar em um setor que se encontra e vai se manter paralisado enquanto não se concretizar de forma efetiva uma vacinação nacional.

Profissionais da cultura perderam seus instrumentos de trabalhos, fizeram rifas e vaquinhas, buscaram outros trabalhos ou ajudas. Coletivamente, a união do setor cultural sensibilizou o poder público durante o isolamento e por meio do legislativo nacional garantiu a aprovação da Lei Emergencial Aldir Blanc – o maior investimento já feito no setor de forma direta ou indireta em toda a história.

Mas para além desse cenário, qual será o mercado que encontraremos no pós-pandemia?

Hoje, a realidade já se desenha de forma diferente. Quando a Lei Aldir Blanc (conhecida em justa homenagem ao músico que faleceu em 2020 por conta da Covid-19) foi sancionada, ela tinha o objetivo de garantir a sobrevivência dos fazedores de cultura, a manutenção dos espaços e empresas do setor e a recuperação do mercado através dos editais.

Passados 9 meses de sua aprovação, o cenário pandêmico piorou. O recurso já distribuído e as atividades que reaqueceriam o setor estão sendo novamente redirecionadas para o ambiente online. Não se sabe quando teremos de volta os festivais, teatros, museus e casas de cultura recebendo atividades. Muito menos em que condições esses espaços estarão nesse momento de reabertura. Não é possível prever se ao menos os fornecedores e colaboradores estarão ainda ativos para garantir essas realizações. Por fim, é difícil acreditar que um novo investimento da mesma grandeza venha novamente socorrer o setor. Mais uma vez, o isolamento exige a união do setor cultural.

Outras marcas do isolamento

Na contramão, a vantagem de uma cadeia diversificada é que em termos de volume, enquanto as atividades presenciais praticamente desapareceram, o ambiente virtual promoveu grandes ganhos em escala. O caso mais evidente é o do streaming: subiu de 11,8 para 70 milhões de assinantes ao longo de 2020.

Mas a realidade do mercado também foi positiva em outros setores. A venda de livros teve aumento de 44% no período e ainda que as grandes galerias não tenham conseguido o mesmo resultado, a maior parte delas (58%) conseguiram manter ou aumentar o faturamento ao longo da pandemia.

O setor musical também apresentou outros ganhos para além das lives. A venda de instrumentos musicais teve um aumento de 252% e mesmo as aulas online de música apresentaram 76% de crescimento.

É claro que esses números não salvam o setor, mas demonstra a maleabilidade e a diversidade do segmento econômico. Reinventar-se é extremamente necessário e alguns caminhos podem vir a ser permanentes.

A força do coletivo na reconstrução do setor

A reflexão ainda está em aberto. Muito difícil e pretencioso buscar qualquer diretriz assertiva para a união do setor cultural ao longo dos próximos meses de isolamento. Ainda assim, as experiências passadas apontam para um fortalecimento do segmento desde que sejam superadas as práticas informais e exista uma reestruturação e união do setor.

A sensibilização agora passa também por fazer valer a premissa de que a cultura é responsável pelo desenvolvimento social, educacional e econômico de uma sociedade. O setor não pode esperar por mais 9 meses para uma retomada. É necessário que os agentes que hoje estão a frente de seus projetos encontrem pequenos espaços de debate para o fortalecimento de novos caminhos para uma severa recuperação.

Ao pensar os caminhos para a superação de forma coletiva é que se encontram as políticas públicas estruturantes, que vão além do emergencial e do assistencialismo extremamente necessário para este momento, porém pouco sustentável.

Embora a cultura seja o setor que clama por auxílio, vejo que havendo condição e articulação, ele tem o potencial de ser a protagonista na recuperação de toda a sociedade por sua diversidade, resiliência e capilaridade em todo o território. Ele é articulado. Precisamos é encontrar a nossa direção.


Antes que eu me esqueça…

Vale acompanhar: Está em análise no Senado o projeto que cria o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). A Câmara dos Deputados já aprovou o PL 5.638/2020 no dia 03 de março deste ano. Pode ser uma luz nesse cenário, portanto vale acompanhar!

Fica o convite: No próximo dia 17, vou realizar junto com a Déborah Abdala da Casa Zazu de Guarulhos uma live apresentando quatro atalhos para garantir o desenvolvimento de seus projetos culturais – mesmo durante a pandemia! Clique aqui para se inscrever no evento e receber as informações para participar comigo dessa discussão.

Leia também aqui na Guarulhos Cultural: A produção guarulhense segue forte no ambiente digital. Essa semana saiu uma reportagem que mostra um pouco do que aconteceu até aqui nesse período de distanciamento. Confira em https://guarulhoscultural.com.br/eventos-digitais-movimentam-cenario-cultural-em-guarulhos/

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